quarta-feira, 5 de setembro de 2007

O olhar do gato


Já pensaram da vantagem de olhar a vida, por um ângulo que não seja limitado pelas intempéries
do meio e da sociedade?
Por exemplo: O que estará olhando aquele gatinho, na displicência de quem não pensa no
amanhã e não tem porque preocupar-se? Ele fixou o olhar naquela porta entreaberta.
Vejamos: Uma porta entreaberta...aproximemo-nos e observemos.
A primeira vista sentimos um vago e mal definido conforto.
É um dormitório, onde tudo é silêncio, onde se ouve apenas a respiração de um casal,
na intimidade de uma noite que já vai a meio.
Não façamos barulho, estamos espiando, não com olhos devassos, queremos sentir o enlevo
em que parece estar entranhado no gato.
Ao fundo uma cadeira estofada que nos leva a pensar em conforto.
A cama cuja cabeceira está enfeitada com sugestivo quadro sensual, toma todo o meio do aposento.
O homem, de aparência jovem dorme. Sua companheira moça e bela lê, enquanto o sono não vem.
É um quadro digno de um Botticelli.
Queira Deus que possamos participar de um momento como esse, onde se vê segurança e conforto.
Sente-se ali a existência de confiança e harmonia.
Creio que em lares assim, poderemos sempre encontrar essa paz de espírito tão necessária para
levarmos de roldão os suores e adversidade da vida.
A jovem senhora apaga a luz.
O gato ronrona, muda de lado, se espreguiça, olha para o teto, como a dizer, vejam a vida
dos meus humanos, pelo mesmo angulo que vejo, não tem mistério, é tudo simples,
é só se aninhar no tempo, que é nosso amigo, e se deixar levar.
Só não se pode esquecer, que a confiança e a harmonia unida ao amor e o carinho, fazem a vida
nos parecer mais bela e suave.

Era tudo um sonho

Procurei suavizar a minha vida, indo de encontro ao meu mestre, Marabô o eremita.
Lá chegando, disse-lhe que estava muito assustado porque tinha tido um sonho muito
ruim sobre nós os humanos. Como se faz necessário para nós nessas ocasiões, passei
um café bem forte, pegamos nossos cachimbos e fomos sentar em nossa pedra preferida
a beira do rio. Daí fiz o meu relato.
Não sei o que acontece comigo, de repente me vejo vagando pelo espaço, olhando o mundo,
vejo-o lá embaixo, parece que estou muito distante. Não entendo, porque?
Sinto frio e fico desolado, pois tenho uma corda, ou um cabo preso a minha cintura, com uma
âncora presa na ponta, fixa na terra. Ouço vozes, cada orador fala em sua língua natural, não sinto haver tradutores, porém todos se entendem, falam em mudanças, em sociedades, em indivíduos, em nações, e renovação dos espíritos.
Sinto que diminuir a periculosidade dos homens, é uma das metas, mais uma vez sinto que são diversos idiomas, fico pasmo ao sentir que estou entendendo todos. Ao mesmo tempo fico com medo, pois sei que não deveria estar ali ouvindo essas conversas, não sei quem são as pessoas que falam, tenho em mente que são importantes. Ouço alguém falar que é primordial uma renovação total dos valores atuais, já que os homens estão dilapidando os bons propósitos. Alguém responde que a raça humana tem dez por cento de bons propósitos, noventa por cento de hipocrisia.
Uma outra voz, feminina e melodiosa, diz que não pode ser assim, que em algum lugar da terra, deve existir algum povo que se assemelha a eles. E por isso devem procurar primeiro esses seres antes de tomarem uma medida drástica. Uma outra voz, um pouco mais rouca, diz, que não pode e nem deve levar a sério o ser humano a procura da sublimação do espírito, que o homem tem senso de dever e de harmonia. Não existe nos homens serenidade, e que não sentem realmente o amor como ele deve ser. Outro ser diz que concorda, porque se algo diferente aparecer na terra, os homens irão primeiro tentar destruir, para depois analisar. Uma voz feminina se levanta, e completa, isto é o que os caracteriza, já viví na terra, eles costumam dizer, primeiro atire, mate se preciso for, depois pergunte quem é. Uma outra voz feminina, pergunta como um ser morto vai poder responder?
A voz anterior responde, é assim que eles agem, não querem respostas, eles querem afirmar, apenas afirmar que eles são. Uma voz masculina se faz ouvir, eles são o que? Outra voz responde, vou dar em detalhes rápido como eles atuam.
O homem à milênios, aprendeu a matar, sentiu o gosto da seiva que corre em suas veias, o que eles chamam de sangue. Se sentiram poderosos ao tirar o fluxo vital de seu semelhante, se consideram deuses (alguém interfere e diz;deuses da destruição), atravessam mares e ares, para ir a um outro posto da terra, dizimar seus semelhantes, tudo pelo amor a divindade morte.
Houve um rebuliço, diversas vozes se fizeram ouvir. Até que alguém com maior poder naquele conclave se fez ouvir (era uma voz suave, porém muito firme).
Faço uma proposta; Vamos então até esse planeta, não precisamos correr riscos, não vamos nos materializar. Estaremos entre eles, talvez, venham há nos surpreender. Sei que existem alguns povos que não são belicosos, amam a terra pelo que ela é. Amam a natureza que a envolve, e a consideram Mãe. Eles sabem que a terra os alimenta quando bem tratada.
Eles terão chances de mudar o mundo se forem à metade mais um terço de algum lugarejo
longe dos grandes centros, onde possamos ver nesse sitio paz e harmonia. Se não for assim,
só nos resta destruí-los, para que não contaminem o resto do universo.
Ouvi muitas vozes, e entendi que foram unânimes nessa sentença.
A voz feminina, melodiosa, ainda tentou aliviar o peso da sentença aos pobres humanos,
mas, uma voz masculina um pouco ríspida, perguntou-lhe, você já notou que as nações
que nós protegemos e demos o nosso aval se tornaram carrascos executores?
Veja por exemplo a América, retiramos o povo sofrido da Europa e colocamos em uma nova terra onde a liberdade seria a bandeira, a igualdade de todos os seres seria o ponto principal, o que aconteceu e acontece? Mudaram tudo hipocritamente. São agora os cavaleiros do apocalipse.
Israel, ahhh, esse povo hebreu, sofrido, enxovalhado por todos os outros povos, nosso querido povo. O que se tornou? Executores da morte. Era para ser uma nação nobre onde a tolerância e o respeito ao humano fosse o ponto principal. Mas não, esqueceram que foram escorraçados, esqueceram as lágrimas derramadas, esqueceram os seus filhos queimados e dilacerados durante séculos pelos intolerantes. Meus confrades, digo a palavra esqueceram, porque eles tem em mente a palavra vingança, querem lavar o chão com sangue de seus algozes. Só que eles não vão invadir os países que os fizeram sofrer, que os escorraçaram como cães leprosos, que usaram suas mulheres para
cenas ignóbeis e queimaram seus filhos. Eles estão se vingando em seus primos, que como eles
também sofreram e sofrem, são espoliados por todos os outros povos, eles também desejam
uma bandeira tremulando no mastro da história, e poderem dizer temos uma nação.
Meu povo, o povo que eu escolhi, porque fazem isso?
Uma voz grave responde, ao que penso ser o nr. Um.
Eles vão dizer fomos atacados pelos nossos primos irmãos, eles merecem o castigo.
A voz suave, responde, mas os fiz ganhar todos os conflitos, dei-lhes liberdade para agir e pensar.
Esqueceram que se tornaram senhores, respeitados e admirados. O que tinham que fazer quando o ultimo armistício após a ultima grande contenda foi assinado. Abrir um amplo dialago com seus rivais que ajoelhados pediam misericórdia, nada disso fizeram, o orgulho da vitoria os impulsionou a agirem como se fossem nazistas, sentindo o gozo abjeto do sangue a correr pelas suas bocas, se saciaram em dizimar as famílias de seus primos irmãos. Procuram a sua majestade o ódio, para insuflar em seus irmãos, que era, e é meritório por o tacão da bota no pescoço de seus primos.
E agora subjugam seus primos irmãos. Porque é politicamente correto. Criaram o terrorismo moderno, açularam e mataram ingleses quando estes tinham o domínio da palestina e eles queriam criar o seu estado. É uma pena, viraram verdugos. O que mais podemos dizer...
Fez-se novamente um alarido todos desejavam falar ao mesmo tempo, alguém gritou nesta babel,
no momento estávamos apenas analisando o lado ocidental da terra ainda não chegamos ao lado oriental. Outra voz se fez ouvir, o que interessa isso, a raça humana não difere por estar separada por fusos horários, a maldade, e a hipocrisia se fazem presente com toda sua força em qualquer ponto, talvez de um quadrante para o outro o requinte de torturar e matar seja mais sofisticado. Aplausos, todos ali estão querendo que a raça humana seja extinta. Em algum ponto da reunião ouvi uma voz quase que sumida (devia estar lá no fundo), dizer, não podemos nos precipitar ainda restam os inocentes.
A voz mais suave (porém mais forte), que deve pertencer ao ser mais importante desta reunião
se faz ouvir novamente, replicou, infelizmente não existe inocentes, todos sabem o que acontece, mas, não desejam expressar suas opiniões, porque não querem tomar parte em nenhum entrave.
São apenas seres extremamente egoístas, só pensam em si, portanto são merecedores de
Todos os males que vierem acontecer na terra. Novos aplausos, a assembléia foi dada como encerrada.
Senti um imenso pavor, como jamais havia sentindo neste mundo, pois não tenho idéia se essa metade mais um terço de pessoas de boa índole exista em algum lugar.
Pode até se dar que em determinado ponto da terra encontre-se até mais que um terço, mas no resto do mundo, nos grandes centros será muito difícil, encontrar essa metade. Senti que estamos à beira de virarmos Sodoma e Gomorra. Fomos julgados, seremos destruídos pelos nossos impulsos animalescos.
Suado e cansado, com frio e medo, senti um bem inefável quando me vi sobre a minha cama, envolto em me meus lençóis. Era tudo um sonho. E que sonho.
Marabô o eremita, olhou-me e disse, eis ai a sentença da raça humana decretada, e você teve
o privilegio de assistir ao julgamento. Enquanto isso não ocorre vamos jogar nossas linhas no rio
e ver se conseguimos pegar algum peixe. Olhei-o, e disse, antes quero lhe fazer uma pergunta, porque eu estava amarrado com aquele cabo e a âncora presa na terra? Marabô, deu um sorriso e disse, Abu-el-Moura, você deve ter bebido muita cerveja, não consegue discernir como você se vê na terra. Espírito ou matéria? Comecei a rir, e repliquei, claro que sei, ainda estou vivo, é por isso que a âncora me segurava na terra,
é ainda o meu lugar. Bom, disse Marabô, vamos pescar que estou com fome. Jogamos nossas linhas e
ficamos a espera...